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Crônicas de Rodrigo Bender Dorneles

Crônicas de Rodrigo Bender Dorneles

Rodrigo Bender Dorneles é Bacharel em Administração. Administrador poeta e cronista. Trabalhou no agronegócio da família, e na CESA, Camaquã (RS). Mora atualmente em Porto Alegre, onde seguiu caminho profissional na área comercial.
Trabalha hoje como consultor de negócios em uma empresa de Assessoria tributária.
Filosofo de final de semana. Amante de história, sociologia e filosofia.

A virtude da ignorância

08/05/2021 - 11h51min Rodrigo Bender Dorneles / Foto: Pixabay

A sociedade humana e suas engrenagens, tanto econômicas quanto políticas e sociais, funcionaram e funcionam pelo simples fato da existência da ignorância.

O termo ignorância pode ser entendido de diferentes formas.

A sociedade humana evoluiu não pelo saber, mas pelo ato de ignorantizar (neologismo) ou de promover a ignorância.

Vou explicar:

Partindo de uma premissa básica, e contextualizando teorias, o ser humano cresceu em termos sociais, basicamente pela sua capacidade e potência de produzir e pensar.

Dentro da história, a força produtiva passou dos escravos para o proletariado dentro da premissa historicista, Marxista.

Ou seja, escravos se tornaram servos, e servos hoje são os trabalhadores da linha de frente do capitalismo atual.

Essa base teórica citada na frase anterior foi explicada de forma simplista, mas sigamos com o raciocínio.

Da mesma forma, as elites que se utilizavam da força de trabalho humana e hoje se utilizam da simples, mais valia, estavam sempre com a capacidade intelectiva e de conhecimento, negligenciando aos demais, sejam eles: escravos, servos, plebe ou proletariado, em diferentes períodos históricos, a libertação intelectual, advinda do conhecimento.

Precisávamos ao longo da história de produção: Alimentos, construções, tecnologias, tudo para evoluir e saciar as necessidades humanas ilimitadas através de recursos escassos.

Basicamente, a demagogia junto à ignorância nos permitiram chegar a evolução tecnológica atual.

Simplesmente o humano e sua evolução precisou do pensar e precisou do agir. Ou seja, ao longo de toda história, dentro de diferentes culturas, chegando até a globalização atual, nos seres humanos dividimos o mundo entre os que pensam e os que agem.

Não há dúvida de que no Egito antigo os poucos letrados programavam as pirâmides enquanto a massa carregava pedras. Não há dúvida em que na idade média os servos produziam enquanto a igreja católica dominava as escrituras, doutrinando a ideia do medo. Não há dúvida de que as corporações de ofícios guardavam seus segredos. Não há dúvida de que os Portugueses e Espanhóis manipularam negros e índios através do conhecimento adquirido, e da verdade imposta.

Não há dúvida hoje, que há uma elite mundial que nos governa e pouco sabemos.

A diferença hoje, é que achamos que sabemos.

Achamos que entendemos o sistema, e que temos informações suficientes e claras para o simples julgar, possibilitando a falsa sensação de liberdade e do livre arbítrio.

Antes isso era proibido, o conhecimento negligenciado, o pensamento morto pela inquisição da igreja, na idade média. Qualquer rebeldia posta em troncos com chibatadas aos escravos, no Brasil Colonial.

Hoje, essa negligência ao saber é mais refinada. Hoje a demagogia é mais inteligente. Hoje a massa parece até mais bem manipulada. Não com o uso da força, mas com a esmola intelectual e a falsa sensação de domínio sobre sua própria vida.

A sociedade humana, como um organismo vivo, se refinou neste sentido. Hoje temos acesso a muita informação, temos mais possibilidades de alternar socialmente. Temos mais direitos. Temos mais igualdade. Temos mais respeito, temos mais possibilidades de voto, mais marcas de carros para comprar, mais possibilidades de trabalho, mais acesso ao antes conhecimento negado das universidades, mais direitos de sermos quem queremos ser. Mais possibilidades de aceitação as crenças, cor de pele e orientação sexual.

Porém, ainda somos peixes fisgados em iscas sendo manipulados.

Não digo que o mundo não melhorou, não digo que esta nova roupagem não está melhor, não digo que não avançamos, não digo que os dias de luta não valeram a pena.

Não sou niilista a ponto de considerar melhor as fogueiras na idade média do que os cancelamentos em redes sociais atuais, quando se trata do retorno, ou resposta quando tentamos expressar nossa opinião.

Não nego que a humanidade evoluiu através da luta social incessante pela busca utópica pela igualdade. Não nego a importância da luta de classes.

Mas também não nego que toda a população ainda ignorantizada pega ônibus lotado na pandemia pois acreditam que devem trabalhar, enquanto que o empresário em home office passa álcool gel nas mãos ao receber seu ifood de um trabalhador que acredita ser livre pra escolher seu trabalho.

A ironia hoje é fina, a demagogia superdotada, a exploração inteligente. Os que pensam continuam a pensar e os que agem tem a falsa noção de liberdade intelectual.

A Covid tentou mostrar isso, a covid tentou alertar.

Claro que estou falando de forma metafórica.

A covid mata o pobre, o rico, mata o ladrão, mata o padre, mata o bispo, o médico.

A Covid só não mata o pensar.

Cito a frase de Mario Sergio Cortella, “A situação não faz o ladrão ela apenas o revela”.

Da mesma forma, a situação e contexto pandêmico atual não fazem os virtuosos ou trabalhadores mas o revelam, mostrando a resiliência diante dos empecilhos cotidianos.

Mostram trabalhadores da linha de frente que devem ser homenageados tais quais o da saúde, mostra o entregador que viu uma oportunidade, mostra que os braços fortes de uma nação são os que produzem e constroem os alicerces para o contexto geral e toda máquina econômica.

Mostra que mesmo sabotados negligenciados de cultura, o trabalhador que não desistiu, tem o mérito de todo seu exercício laboral.

Mostra que a cultura social em geral amedronta e não dignifica trabalhos braçais que sustentam a possibilidade de trabalhos intelectuais.

Enfim, fui um pouco maniqueísta ao separar o joio do trigo em dois sacos.

O do trabalho intelectual e do trabalho braçal.

Mas a mensagem que tento construir neste exercício de reflexão é que todos são capazes de acordo com as oportunidades que receberam. E o ato de resiliência da massa é tão virtuoso quanto a intelectualidade daqueles que desde o primeiro momento receberam instruções, e acessos gratuitos ao conhecimento e cultura global, através da dita cuja mesada, escolas particulares e universidades no exterior.

O que acontece quando toda a massa, potência humana de agir socialmente decide pensar?

O que acontece atrás dos planos da nova ordem mundial?

A ignorância enfim que nos trouxe até hoje, não apenas o saber.

A ignorância quase que foi virtuosa.

Nós como sociedade não sabemos como será a ordem mundial posterior à pandemia, mas obviamente ela está sendo pensada.

O que acontece quando os ignorantes resolverem se rebeldiar?

O rico quando perde tudo, todo dinheiro, pensa em se matar, é capaz de não saber fritar um ovo.

Agora o que acontece quando a massa se der conta de seu poder?

Talvez a ignorância tenha mais significados. Talvez a ignorância seja virtuosa.

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