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Crônicas de Rodrigo Bender Dorneles

Crônicas de Rodrigo Bender Dorneles

Rodrigo Bender Dorneles é Bacharel em Administração. Administrador poeta e cronista. Trabalhou no agronegócio da família, e na CESA, Camaquã (RS). Mora atualmente em Porto Alegre, onde seguiu caminho profissional na área comercial.
Trabalha hoje como consultor de negócios em uma empresa de Assessoria tributária.
Filosofo de final de semana. Amante de história, sociologia e filosofia.

A Verdadeira História de Van Gogh: a Metáfora da Orelha Cortada

27/05/2021 - 18h25min Rodrigo Bender Dorneles / Foto: Divulgação - autorretrato com a orelha cortada (1888)

Van Gogh nasceu com um dom e um tormento, incapaz de absorver sua própria genialidade. Viveu à beira da sociedade por grande período de sua breve vida, sem talentos e capacidade ocupacionais de se destacar frente às adversidades. Começou a pintar tardiamente e ainda assim não se tornou renomado enquanto vivo.

Teve um estereótipo único, tinha inconstâncias psicológicas, e falta de aptidões para gerir a própria vida e seu sustento. Começou com pintura enquanto adulto, sem pretensões significativas, mas, de qualquer forma, parece que na ocupação de pintor viu sua verdadeira face, e uma oportunidade de expressar mesmo que não concretamente a sua forma de ver o mundo, e por conseguinte a profundeza de sua alma.

Em meio a sua vida conturbada de pintor, tinha o apoio incondicional de seu irmão mais novo, Theo, e a amizade de renomados pintores impressionistas, como seu contemporâneo Paul Gouguin.

Van Gogh desde pequeno ouvia duas vozes. Quase que num sintoma de sua loucura aprendeu a ouvir estas vozes para viver cotidianamente.

O pintor ouvia uma voz turbulenta maldosa, que lhe provocava aflição que suscitava a ausência da bondade na espécie humana, voz das intrigas dos sentimentos negativos próprios dos seres humanos e dos problemas terrenos advindos da ausência de luz.

Ele ouvia também uma voz repentina, bondosa, que lhe trazia a paz e a consciência de um caminho de luz, Voz de confiança, autoestima e conexão com algo maior que os problemas mesquinhos advindos da sociedade, e convivência social.

O pintor ouvia, às vezes, as duas vozes ao mesmo tempo, o que incitava problemas na convivência com seus amigos pintores impressionistas na época. À medida que entrava em surto, passava por delírios provocados pelo sintoma de audição dessas vozes irreais. Logo, ele materializava isto nas suas atitudes, que provocavam brigas com os demais.

Em uma tarde no atelier pintando com paul Gouguin, Van Gogh começou com um de seus ataques nervosos, com suas vozes o atormentando, e vendo mais do que a figura do pintor amigo, começou a refletir.

Ele queria cortar uma das vozes, uma das orelhas, que eram as portas para as mensagens. Ele refletiu bastante entre minutos quebrando objetos e decidiu qual orelha cortar, qual mensagem nessa tentativa tentaria eliminar.

Acreditou e percebeu uma metáfora. Viu na possibilidade de cortar uma das orelhas, a chance de passar uma mensagem e resolver o seu problema.

Adivinhem qual a orelha ou qual voz Van Gogh de fato quis eliminar ao cortar uma parte de seu corpo.

Van Gogh escolheu a orelha da voz boa, benevolente, mas por quê?

Van Gogh percebeu ao longo do tempo que a voz boa, não vinha de uma de suas orelhas ou de seu sistema auditivo. Percebeu que todos poderiam escutar estas vozes e caberia a cada ser humano, escolher a boa ou má mensagem. Assim quis mostrar a verdade sobre a escolha humana, e o porquê de sua loucura, mostrando sua imperfeição e cortando a própria orelha.

Mas por que continuar em tese com a outra orelha? A das mensagens humanas de ausência de luz.

Pois precisa do livre arbítrio. Precisava do oposto, precisava do mau para escolher o bem, precisava dos problemas para criar a solução, precisava de mentiras e falácias para construir a verdade, e de fato, precisava de, pelo menos, uma orelha para se comunicar com os outros seres humanos.

Este raciocínio remeteu a Van Gogh a metáfora bíblica ou a verdade bíblica para alguns.

Lúcifer, o anjo caído, em conversa com Deus queria que os homens escutassem apenas a voz do bem, apenas a voz da verdade divina, sem conhecer ou poder escolher outra mensagem, amando a Deus e a ele de forma autocrática e eterna, sem escolha alguma. Por outro lado, Deus queria o livre arbítrio, queria que existisse a mentira para se conhecer a verdade queria que existisse a escolha e o autodesenvolvimento da espécie humana.

Mas por que Van Gogh quis cortar a orelha da boa voz se continuaria escutando a boa mensagem?

Van Gogh queria mostrar por metáfora a sua genialidade e a verdadeira descoberta.

Van Gogh quis mostrar o que aprendeu com seus surtos diários, e passar aos demais esta descoberta libertadora.

No entanto, sempre discutindo com os outros ao seu redor, mostrando a orelha cortada e contando o fato ocorrido, a metáfora absorvida, passava despercebido e sua mensagem foi desmerecida, e prejulgada como um devaneio.

Ele era como um louco impotente, sem uma orelha e qualquer credibilidade para ensinar o que aprendeu. Por força do destino resolveu então tentar se comunicar pela sua arte.

Tentou então através de seus quadros mostrando as linhas do impressionismo e contestando as retas e o conservadorismo dos pintores da época. Pintou a noite estrelada, cheia de sentimentos mesmo através da concretude da pintura.

Também não foi entendido, vendeu apenas um quadro em vida, o Vinhedo Vermelho.

Hoje considerado um gênio e um dos maiores pintores é reconhecido e renomado.

Infelizmente apenas entendido de maneira póstuma.

Claro que inventei esta história sobre o gênio em questão, na sua biografia não consta qualquer relato sobre algumas coisas que falei. Ele realmente cortou a orelha por problemas psicológicos, porém, meu relato sobre tal fato foi por mim criado para revelar a metáfora.

A questão é que mesmo que sãos ou loucos todos nós podemos ouvir estas duas vozes, cabendo a nos cotidianamente desvendar nossos próprios dilemas éticos.

Muitos humanos perceberam esta mensagem, mas poucos tiveram credibilidade para transmiti-la. A arte para alguns foi a única forma de se manifestar.

A arte tem esse poder, de mostrar complexidade na concretude de quadros. De mostrar por metáforas uma visão única ou uma visão diferente. A arte é democrática, e aceita seres humanos em todas as suas formas.

A arte apenas solicita talento, e não julga o artista. A arte é uma mãe que abraça o filho apedrejado pela sociedade. A arte é uma dimensão da vida, da filosofia que aceita e glorifica aqueles que não tem mais voz, que ajuda o artista mais pessimista e que mesmo de forma posterior deixa na história, aqueles que ousaram ser diferente.

A arte exalta os fracos, surpreende os julgadores, e da missão aos mais confusos.

A arte não apenas salva o artista, mas salva aqueles que o desdenharam.

Metáforas são importantíssimas para entendermos facilmente coisas altamente complexas.

A boa e a má mensagem sempre permearão nossas escolhas, independente de nossa posição social, sanidade e capacidade individual.

. Construímos nossa sociedade, pelos opostos, pela luta, por mais igualdade. Mensageiros, artistas e pessoas aparecem sempre com suas orelhas cortadas e sendo incompreendidos, porém demoramos um tempo para entender, demoramos pois prejulgamos através de conceitos sociais.

O essencial é invisível aos olhos, a verdadeira mensagem é sentida, e não advinda da linguagem ou ruídos humanos que entram pelo nosso sistema auditivo.

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