Geral

“Nós também temos medo, mas só queremos que as pessoas ouçam o que a gente fala, porque é verdade”, diz enfermeiro do HE/UFPel

O profissional da saúde Tiago Rosa concedeu entrevista exclusiva para o BJ e relata como está o trabalho de enfrentamento à covid-19 dentro do hospital, além do estresse, desgaste dos plantões e a opinião da sociedade a respeito da pandemia

Compartilhe:
11/05/2020 - 19h38min Corrigir

Profissionais essenciais na linha de frente para o combate à pandemia da covid-19, os médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e todos os demais trabalhadores da área da saúde estão sendo vistos ainda mais como heróis que lutam constantemente para salvar a vida dos contaminados. 

Todavia, antes mesmo de a covid-19 tomar proporções mundiais, esses profissionais sempre estiveram na batalha incansável pelo direito dos seres humanos de viverem da forma mais sadia possível. Só que uma rotina que já era bastante agitada, agora, está cada vez mais conturbada e carregada de medos, tristezas e inseguranças.  

“Nós não queremos ser tratados como super-heróis agora na pandemia da covid-19 por estarmos vestidos com máscaras e todos aqueles EPIs, que se remetem a armaduras. Nós também somos seres humanos e estamos com medo, mas só queremos que as pessoas ouçam o que a gente está falando, porque é tudo verdade”. Esse foi o relato do enfermeiro e técnico de enfermagem Tiago Rosa, que trabalha na ala da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE/UFPel).  

Em entrevista para o portal de notícias Blog do Juares (BJ), Tiago relatou como está sendo enfrentar diariamente a pandemia do novo coronavírus dentro da unidade. “Praticamente a todo instante estão mudando os protocolos de atendimento, de procedimentos, trocando escalas, horários... Porque o vírus está se espalhando muito rápido e ainda não temos vacina e remédio com estudo científico comprovado para utilizar no tratamento. Estamos muito cansados, estressados. E o sentimento de medo é constante dentro do hospital entre os colegas, porque estamos expostos e com a incerteza de que estamos com o vírus ou não”, falou o enfermeiro. 

Tiago durante a entrevista para o BJ / Reprodução / Blog do Juares

Até o momento, Pelotas está com 39 casos confirmados de covid-19, com 25 recuperações. No HE, foi construída a Ala Covid para o tratamento dos pacientes diagnosticados ou hospitalizados com suspeita da doença, sendo referência no município e região para a terapia oncológica e, agora, também da covid-19. Um desses pacientes que testaram positivo para o novo coronavírus foi um rapaz de 29 anos, residente do HE, sendo o primeiro caso de transmissão comunitária em Pelotas.  

“Ele foi assintomático. Não apresentou nenhum sintoma. Foi fazer o teste por medida de precaução porque ia viajar para ver os pais e eles são do grupo de risco. Daí, deu positivo. Mas não teve histórico de viagem nem nada. Só o contato com o vírus dentro do hospital mesmo”, disse Tiago. Segundo o enfermeiro, o colega manteve seu quadro clínico estável e cumpriu isolamento domiciliar de 14 dais, como recomenda os órgãos de saúde. “Ele foi afastado do hospital, claro, mas passou bem. Ele foi um paciente fora do grupo de risco, aparentemente bem e saudável, e pela idade que tem, a recuperação foi rápida”, afirmou. 

No entanto, esse caso confirmado de um servidor acendeu o alerta vermelho principalmente entre as equipes de saúde do HE. Conforme disse Tiago, os cuidados se tornaram redobrados desde então. “Volta e meia, entre um atendimento e outro, nós paramos e medimos a temperatura para sabermos se não estamos com febre. A correria é tanta que não dá tempo de sentirmos nada. Aqui no Brasil não é igual a alguns países onde os profissionais da saúde são testados de dois em dois dias. Não tem teste nem para aplicar nas pessoas com sintomas para ser bem sincero. Ainda estamos bem deficitários nesse ponto”, disse ele. 

Reprodução / Arquivo pessoal

O enfermeiro seguiu com seu relato: “Estamos pegando os nossos carros, saindo para trabalhar e não convivemos com mais ninguém. Ficamos nos plantões por 12, 24 horas direto, voltamos para casa, evitamos chegar perto dos vizinhos nos corredores, entramos nos elevadores dos nossos prédios e não tocamos em nada. Entramos em casa já tirando a roupa que estamos e indo para o banho se higienizar”.  

Tiago afirmou que está sem ver a família e os amigos desde quando os primeiros casos do novo coronavírus começaram a ser confirmados em Pelotas, no final de março. “Eu moro sozinho, mas minha família é aqui da cidade. Só falo com eles pelo telefone e redes sociais. Com meus amigos também. Recebo foto dos meus afilhados e morro de saudade de ver eles, de abraçar. Mas esse distanciamento é necessário para a gente vencer esse vírus enquanto não se tem nada científico para combater ele”, salientou. 

Porém, assim como Tiago, outros enfermeiros estão na mesma ou em situação ainda mais complicada neste período de pandemia. “Tenho colegas que têm família e se afastaram completamente de seus companheiros, filhos, ou familiares do grupo de risco. Estão ficando em outra parte da casa ou foram para quartos de hotéis que estão sendo disponibilizados para os profissionais da saúde ficarem isolados nessa pandemia”, contou. 

Só que mais outro caso de contaminação de um profissional da saúde pelo novo coronavírus foi registrado em Pelotas logo após a nossa entrevista com o Tiago. Uma mulher de 41 anos testou positivo para a covid no dia 19 de abril, tendo cumprido o isolamento domiciliar e, assim como o colega do Tiago, já é considerada recuperada da doença. No Rio Grande do Sul, um óbito dos 102 registrados até agora é o da técnica de enfermagem Mara Rúbia Silva Cáceres, de 44 anos, que trabalhava no Grupo Hospitalar Conceição e faleceu no dia 7 de abril. Ela tinha asma, doença crônica que a colocava no grupo de risco da covid-19. 

Tiago afirmou que a morte de Mara Rúbia causou uma comoção nele, mesmo não tendo a conhecido, mas simplesmente pelo fato de serem colegas de profissão. “O medo fica ainda maior depois da morte dessa técnica de enfermagem em Porto Alegre. Medo de que a situação de outros países se repita aqui, onde os profissionais da saúde morreram e estão morrendo em peso por causa da covid. Nós já não temos muitos profissionais disponíveis e os que têm, já estão adoecendo e morrendo. É bem triste e séria situação”, lamentou o enfermeiro. “Não nego que muitas vezes já sucumbi e chorei pelos cantos porque o estresse é grande e chega uma hora que não dá para suportar. Ainda mais quando tu começa a processar tudo o que está acontecendo e tantas vidas que vêm sendo perdidas a cada dia, além das outras doenças que já existiam e que são tão letais quanto a covid. Os EPIs também doem, machucam, deixam marcas... Mas as dores maiores são as das perdas pela covid, que estão cada dia acontecendo mais e muita gente não crê”, continuou.  

Reprodução / Arquivo pessoal

Tiago se intitula como forte defensor do SUS. Para ele, a saúde pública no Brasil é bem estruturada, o problema é que faltam recursos para mantê-la funcionando bem. “O SUS é ótimo. Vou sempre defendê-lo. Temos ótimos profissionais e o mecanismo é forte. Sempre recomendo que todo mundo seja atendido pelo SUS porque estarão em ótimas mãos. Nosso ponto negativo é a falta de material para trabalhar e o lento processo burocrático para conseguirmos. A falta de EPIs, principalmente nessa época da pandemia, é um dos piores problemas. Estamos sem muitos no HE. O que está nos salvando são as máscaras de acrílico que podemos higienizar e reutilizar. Daí, elas dão uma durabilidade de mais horas para as N95. Aventais também estão em falta. Aí, imagina trabalhar sem muitos equipamentos de proteção individual?! Lógico que vamos adoecer e vamos ficar com o número de profissionais disponíveis bem reduzido”, comentou o enfermeiro. 

No entanto, Tiago demonstra contentamento com a mobilização da comunidade e com os estudos acerca da pandemia que surgiram em Pelotas. “As pessoas têm colaborado bastante com a fabricação de máscaras caseiras, deixando as profissionais mais para uso nosso, e doando. O Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul) também tem colaborado bastante com essa produção, além de ter se unido à Universidade Católica (UCPel) e à Universidade Federal (UFPel) no estudo inédito e testagem da população para medir a incidência da covid no Rio Grande do Sul. Isso está auxiliando o governador (Eduardo Leite) a tomar a série de decisões que vêm tomando para desacelerar o contágio e tem surtido efeito. Fico bastante contente”, afirmou. 

O enfermeiro só teme pelo colapso na saúde pública por conta de as pessoas ainda estarem ignorando a gravidade da situação. “Muita gente se baseou no comentário do nosso presidente de que é só uma gripezinha. Ele, por ser a figura política mais importante do nosso país, não podia usar do seu “poder” para prestar um desserviço desses. Me senti ofendido e acredito que meus colegas também. Bolsonaro não é especialista da área da saúde e deveria confiar em seu ministro da Saúde e no trabalho dele. Ele sabe o que está fazendo. Usar dessas palavras, de forma subentendida ou não, dá vazão àqueles que apoiam ele a continuar discordando da existência do vírus e achando que isso é golpe político, mas não é e está longe de ser. Confiem na ciência” salientou. 

“Com esse tipo de pensamento, vamos ocasionar um colapso na saúde e não temos estruturas para suportar. Hospitais vão lotar, cada vez mais profissionais vão ficar doentes, seja pela covid ou por estresse, não tem respiradores para todo mundo. Tivemos sorte de ver o que deu certo e o que não deu em outros países. E se utilizarmos isso de forma positiva, poderemos vencer mais rápido o coronavírus. Mas se não, vamos sucumbir. E se foi assim na China, na Itália, que negou por um tempo a existência da covid e depois teve milhares de mortes, que são países de primeiro mundo, por que seria diferente do Brasil?”, completou Tiago. 

Reprodução / Arquivo pessoal

O profissional da saúde, todavia, não exclui os graves impactos da crise econômica causada pela pandemia. Porém, ele é enfático em sua opinião a respeito. “As vidas perdidas pela covid-19 jamais serão recuperadas. A economia, sim, pode ser. Não sei como, porque a minha área é a saúde e não a economia, mas temos os políticos para isso. Votamos neles para que resolvam problemas como esse. Temos os especialistas para buscar planos que poderão recuperar a economia. Eles na economia e nós na saúde, cada um com o seu” disse. 

Tiago é super ativo nas redes sociais, onde publica atualizações sobre o novo coronavírus, muitas das vezes, com dados e histórias não tão confortáveis, mas necessários. Mesmo cansado depois de um plantão, ele quase sempre traz notícias da pandemia e relatos do dia a dia do HE. O enfermeiro acredita que isso pode ajudar a conscientizar as pessoas e também é parte da sua função enquanto profissional da área da saúde

“A gente gosta quando vocês vão para as janelas nos aplaudir. Mas não é só isso que a gente quer. Queremos mais é que vocês nos ouçam e, sobretudo, entendam que não tem ninguém brincando. Não queremos chegar ao ponto de ter que escolher quem vai viver ou quem vai morrer, como em outros países. Mas para isso, vocês têm que nos ouvir quando a gente falar que é para ficar em casa, só sair quando necessário, evitar aglomerações, lavar bem as mãos, de maneira incansável, com água e sabão, utilizar álcool em gel quando não puder fazer a lavagem correta ou como complemento de higienização. Vou ficar feliz quando sair na rua para ir trabalhar e ver uma pessoa na rua, mas mais feliz ainda eu vou ficar quando eu não ver ninguém”, finalizou.  

Coronavírus no Brasil

No último balanço feito pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), publicado na quinta-feira (7), mais de 8.400 profissionais já haviam se infectado pelo novo coronavírus no Brasil enquanto estavam em serviço. Desses, 98 infelizmente morreram em decorrência da covid-19, sendo 25 enfermeiros, 56 técnicos e 17 auxiliares de enfermagem. Em todo o mundo, mais de 260 profissionais de enfermagem já morreram, de acordo com o ICN (International Council of Nurses) e 90 mil estão infectados com a doença. O número de casos no país já é maior do que nos Estados Unidos, país mais atingido pela pandemia do novo coronavírus. Lá, se contabiliza 91 mortes, de acordo com levantamento do NNU (National Nurses United). 

Nesta segunda-feira (11), o Brasil alcançou os 168.331 casos confirmados e a 11.519 mortes pela covid-19. As informações foram disponibilizadas pelo Ministério da Saúde no balanço diário da pasta sobre a pandemia do novo coronavírus e mostram também que 69.232 pacientes já estão recuperados.

Nas últimas 24 horas, foram 5.632 novos registros de pessoas infectadas, um aumento de 3,4% em relação a ontem, quando foram contabilizadas 162.699 pessoas nessa condição. Já as novas mortes na atualização somaram 396, um acréscimo de 3,5% em relação a ontem, quando o balanço trouxe 11.123 falecimentos por covid-19.

A taxa de letalidade ficou em 6,8%. Do total de casos confirmados, 82.344 estão em acompanhamento e 69.232 foram recuperados. O Ministério da Saúde não divulgou hoje as mortes em investigação, como vinha fazendo até a semana passada.

Inscreva-se em nosso novo canal do YouTube ACESSE AQUI!

Para receber as notícias gratuitamente e em tempo real participe do nosso super grupo no WhatsApp, clicando aqui!

Ou participe do nosso grupo no Telegram clicando aqui!

Ouça AQUI a web rádio do Blog do Juares!

Siga o Blog do Juares no Google News e recebe notificações das últimas notícias em seu celular, acessando aqui!

MAIS NOTÍCIAS

TBK INTERNET
FUNERÁRIA BOM PASTOR
COMERCIAL EM INGLÊS BLOG DO JUARES
AABB
FUNERÁRIA CAMAQUENSE
CÂMERAS
SUPER SÃO JOSÉ
BJ RÁDIO WEB | CAMAQUÃ (RS)
Mais Lidas
TBK INTERNETFUNERÁRIA BOM PASTORCOMERCIAL EM INGLÊS BLOG DO JUARESAABBFUNERÁRIA CAMAQUENSECÂMERASSUPER SÃO JOSÉBJ RÁDIO WEB | CAMAQUÃ (RS) COMERCIAL BLOG DO JUARES