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Crônicas de Rodrigo Bender Dorneles

Crônicas de Rodrigo Bender Dorneles

Rodrigo Bender Dorneles é Bacharel em Administração. Administrador poeta e cronista. Trabalhou no agronegócio da família, e na CESA, Camaquã (RS). Mora atualmente em Porto Alegre, onde seguiu caminho profissional na área comercial.
Trabalha hoje como consultor de negócios em uma empresa de Assessoria tributária.
Filosofo de final de semana. Amante de história, sociologia e filosofia.

“Os circuitos de consagração social serão tanto mais eficazes quanto maior a distância social do objeto consagrado”

17/04/2022 - 07h44min Rodrigo Bender Dorneles / Foto: Deposit Photos - pt.depositphotos.com

O individuo existe e se incorpora em sua individualidade apenas pelo convívio social.

Somos o que somos não apenas por características inatas ou genéticas, mas pelo modo como nos relacionamos com os outros.

Ou seja, só somos nós mesmos através do conceito alheio.

O conceito alheio de forma nenhuma nos determina, mas a maneira com que lidamos com ele é o que nos repercute.

Assim surge o conceito do ego e da criação da personalidade. Se nascêssemos em uma sociedade de macacos, mesmo com nossa inteligência, nos veríamos através das ocupações de macacos. Ou seja, iríamos construir nossas virtudes, habilidades e ocupações de acordo com a convivência externa, e muito provavelmente mediaríamos nossas capacidades frente a competição de subir em árvores e a sobrevivência na selva.

Já como humanos, a cultura nos determina. Só entendemos nossas capacidades frente a noção das capacidades dos outros.

Isso pois, somos a soma das recompensas que recebemos.

Gostamos de fazer algo porque somos bons? Ou fazemos bem uma atividade pois gostamos do ato? As duas coisas se interpõe na mesma direção.

Tanto a aptidão quanto o nível de estímulo que determinam nossas habilidades.

Logo, exemplificando... O pai nos ensina a jogar futebol, a escola a escrever e o convívio com os outros a entender quais habilidades queremos, e onde vamos encontrar maior desenvolvimento e satisfação.

A criança precisa da aprovação e estímulo familiar, o adolescente da aprovação de seus amigos, e o adulto de sua própria aprovação.

Ou seja, o adulto satisfeito é aquele que soube ver suas habilidades e lida bem com o modo como o mundo o consagra em relação a isso.

O médico se consagra ao salvar vidas, o professor ao ensinar, o atleta ao vencer, o empresário ao desenvolver a empresa.

Tal consagração está na recompensa por realizar aquilo que nos determinamos a fazer e não necessariamente com o retorno financeiro ao qual tal atividade nos promove.

Assim se formula a frase do filósofo francês Pierre Bordie: Os circuitos de consagração social serão tão mais eficazes quanto maior a distância social do objeto consagrado”.

Ou seja: não existe nada menos válido do que o próprio elogio. Nada também não tão sincero quanto o elogio vindo de uma mãe, e nada tão mais sincero quanto o elogio vindo de um inimigo.

Este é o conceito da frase. Quanto mais distante é a pessoa que promove o elogio a nós, quanto menos interesse ou menor o grau de comprometimento desta pessoa na nossa vida, mais eficaz e mais honesto se torna o elogio.

Esta é a lógica da consagração social. É a aprovação descomprometida que garante o grau de veracidade do elogio na medida da resposta ao nosso grau de eficácia.

Este é o paradoxo da aprovação de nossa personalidade. Ou seja: o elogio recebido por sermos nós mesmos ou, por ocuparmos bem alguma atividade.

Assim a sociedade de consumo fluida atual, se configura.

O consumo de marcas estão diretamente relacionados a aceitação de um conceito.

Ao vestir uma roupa x somos aceitos frente aos que compartilham do gosto por esta marca.

A rede social penetra na complexidade do conceito discutido neste texto.

Nada tão consagrador em termos conceituais quanto termos muitos seguidores no Instagram, ou em outro meio.

Nada tão consagrador quanto disparar imagens da sua vida e receber curtidas de pessoas externas.

Nada tão consagrador quanto receber curtidas daqueles que observam a nossa vida e, nos aprovam por uma simples imagem, consolidando nossa autoestima e personalidade, materializada pelo elogio fluido da rede social.

Assim vivemos e nos expomos numa ocupação infantil, de nos mostrar feliz para consumir felicidade.

O consumo entra nesta engrenagem, o indivíduo procura o externo para reconhecer a si próprio e conviver com a sua insignificância.

Existe um reality show de uma grande emissora chamado grande irmão que materializa e sintetiza toda esta complexidade.

São pessoas vivendo em uma casa buscando a aprovação social em troca de dinheiro e fama.

A consagração vem do público externo e nada importa se o consagrado for um excluído por aqueles com quem convive.

Neste jogo grandes marcas investem em propaganda, e a performance dos jogadores gera retorno financeiro a emissora, e entretenimento para o grande público.

Os jogadores precisam apenas jogar e ser coerentes. Alguns se utilizam de bandeiras sociais para serem consagrados por questões estruturais.

Ou seja: os participantes podem se utilizar de pautas antirracistas ou bandeira LGBT para não serem eliminados.

Ou podem simplesmente, serem coerentes e participativos, mantendo o ibope, e gerando seguidores. Não só pela simples admiração de seus atos, mas pela vontade externa do público de manter no jogo alguém que faz o jogo andar.

Esta é a materialização da teoria de Bordie na sociedade brasileira atual.

Temos ferramentas para buscar a consagração social externa para nos sentirmos consagrados internamente.

O ser humano não passa de uma criança que cresceu e precisa ressignificar o apoio e a consagração incondicional da Mãe.

Somos macacos saídos de uma placenta que precisam viver na selva social humana, criada e elaborada para satisfazer nossas necessidades do ego e nossa percepção individual de felicidade.

O jogo é complexo. Precisamos consumir para matar vontades, precisamos ser aprovados para interiorizarmos nossas forças frente a adversidade do mundo externo.

Nada tão infantil quanto ser um macaco que precisa de fotos.

Nada tão lucrativo para o sistema como um todo, quanto criar significado ao consumo.

Logo o consumo não apenas nos satisfaz, mas pelas nossas escolhas nos indica status e o que somos.

Enfim, é a busca humana e social tentar se consagrar por diferentes circuitos, sejam eles profissionais, espirituais ou de relacionamento.

É complexo também que entendamos a relatividade do que é consagração.

O ser humano mais consagrado do mundo ou do mundo ocidental foi crucificado entre bandidos, e renasceu na Páscoa.

Morreu como um criminoso cuspido e renasceu como um Deus.

Mostrando não apenas aos seus seguidores, mas ao mundo, que a ideia de bem pode consagrar até o mais carcomido mendigo.

Ele não utilizou-se de fotos ou de bens de consumo, mas da mais valia plena da moralidade e bondade materializada em um ser humano.

No fim, somos nós para com nós mesmos.

Só temos a consagração social no nível mais elevado quando nos aceitamos frente ao mundo externo.

Então reformulo a frase de Bordie:

“Os circuitos de consagração social serão completamente eficazes quando o elogio menos sincero nos tornar o mais consagrado possível”.

O elogio e aceitação menos sincera é a de nós para nós mesmos.

Mas talvez seja a única e a mais libertadora fonte de consagração.

O se olhar no espelho e se consagrar é a atividade constante daquele que não teme a si mesmo.

O ser humano mais consagrado tentou mostrar isso.

Que tentemos ser o mais próximo da imagem de Deus na Terra.

Onde a consagração vem da Virtude,

e não, das atividades de um bípede sedento pela aprovação alheia.

“Paz na terra aos homens de boa vontade”.

Foto: Depositphotos / Direitos Reservados

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