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Crônicas de Rodrigo Bender Dorneles

Crônicas de Rodrigo Bender Dorneles

Rodrigo Bender Dorneles é Bacharel em Administração. Administrador poeta e cronista. Trabalhou no agronegócio da família, e na CESA, Camaquã (RS). Mora atualmente em Porto Alegre, onde seguiu caminho profissional na área comercial.
Trabalha hoje como consultor de negócios em uma empresa de Assessoria tributária.
Filosofo de final de semana. Amante de história, sociologia e filosofia.

O princípio da continuidade

14/11/2022 - 17h19min Rodrigo Bender / Foto: Depositphotos / Direitos Reservados

Será que existiu um início? Até onde sabemos a ciência diz que sim.

Por mais complexo que seja este raciocínio, temos em bases simples estabelecido que o Universo teve um início que continua em um processo infinito.

Já pensou na herança que todo este processo te deu? E o que tu vais deixar?

Parece que por alguma razão, teve início a matéria, e deste início um processo continuo partindo do simples para o complexo. Do átomo para o elemento químico, da célula para o tecido, do ser unicelular para a complexidade viva do ser inteligente que chama a si próprio de ser humano.

Para mim esta força criativa ou esta mudança constante segue um princípio, não apenas no sentido biológico, da evolução química ou do darwinismo e das leis da física, mas também no sentido sociológico.

Este princípio é o princípio da continuidade. O princípio que rege a vida e que se fundamenta no conceito humano de passado, presente e, principalmente, futuro.

O ser humano saiu da roda da evolução natural e criou outra evolução. A evolução social. Mudou o conceito, e aprimorou o princípio da continuidade.

O ser humano virando ser social, criou o livre arbítrio e virou um ser independente da natureza.

O humano criou conceitos próprios, como o significado de família, do trabalho, do dinheiro, mas, principalmente, modificou o conceito do princípio da continuidade, do hereditário e genético, para o do legado social.

Vou explicar:

Até o ser humano virar sedentário e se estabelecer socialmente, seguíamos a hereditariedade, e a evolução de nossa espécie se dava pela seleção natural.

O Leão, o macaco, o lobo deixam apenas sua marca genética, suas gerações seguem pelo natural e mesmo que formem famílias, seu legado é genético e não social.

Vivem para procriar e morrem iguais a todos os outros de sua espécie, seguem presos na malha de variações da genética e seleção natural.

O Homem criou o conceito de propriedade privada, da família e, principalmente, da herança.

Parece estranho sermos animais que deixam pedaços de terra para sua prole. Mas isso nos diferenciou. A herança é a forma humana de deixar seu legado.

A forma humana de contribuir, socialmente para o princípio de continuidade.

Ao longo da História, nos tornamos agricultores, servos da terra e começamos a entender que com as plantações e pecuária poderíamos saciar não apenas a fome de nossas famílias, mas das famílias que seguiriam.

Reformulamos o conceito de família. Do chão inventamos a propriedade privada. Da relação de nossos filhos com os filhos dos outros criamos o conceito de geração.

Este é o princípio da herança, não algo apenas material e em valor de moeda corrente, mas também em cultura e ideias.

Este é o animal humano um ser que não tem apenas a necessidade de ser feliz, mas de pensar na felicidade das próximas gerações.

Sim todos os conceitos mudam, evoluem. Em um processo sociológico parece que de alguma forma democratizamos o privado e nos tornamos menos tiranos.

Na antiguidade, apenas os Reis poderiam ser felizes e deixar seu legado para os seus filhos, ao povo se dava a escravidão e a pobreza. Aos filhos dos pobres, nenhuma herança, mas muito trabalho.

Na idade média, a nobreza tinha o direito da herança, tanto genética como em dinheiro, deixando aos servos apenas migalhas e muito trabalho paras as próximas gerações.

Foi no mundo burguês da idade moderna que o proletariado começou a entender que poderia ser feliz e deixar algo para as gerações vindouras.

A propriedade privada poderia ser democratizada mesmo que através de gerações.

Este é o incrível do capitalismo, mesmo que tirano o direito à herança nos dá um consolo frente à desigualdade de oportunidades.

É, o regime em que podemos nascer na pobreza, mas enriquecer em vida e deixar dinheiro e cultura par as próximas gerações.

Se aceitarmos que existe uma herança que melhoram as gerações e prosperam a continuidade, também temos que entender o oposto.

Se é justo deixar riquezas não seria prejudicial deixar a pobreza? Seria justo deixar a fome para os que seguem?

Sim, este é o conceito e para isso que existem as reparações históricas.

Os judeus foram perseguidos no nazismo, e deixaram suas gerações sem uma pátria, sem perspectivas. Já estavam espalhados pelo mundo e se espalharam ainda mais. Para isto foi criado pelas Nações Unidas, Estado de Israel, para reparar este erro.

Os índios no Brasil foram roubados, e perderam suas terras, e para isso foi criado na constituição, o direito às Terras Indígenas.

Da mesma forma, é neste sentido que entram as cotas raciais.

A cultura negra foi marginalizada, assim como as oportunidades foram negadas.

A escravidão deixou sua herança, um problema para as gerações, e não oportunidades expostas em testamentos.

Na verdade, fomos nós que perpetuamos sua falta de herança, e é através de processos sociais que devemos aperfeiçoar o princípio da continuidade.

Enfim, o direito da herança é incrível e dignifica o trabalho e o ser humano. Mas não podemos ver apenas um lado da moeda.

Parece sim que em termos sociais o princípio da continuidade nos dá ânimo, parece que ser social significa pensar nas próximas gerações.

Parece que a sociedade e os homens jogam um jogo e vão brigando ao longo dos séculos por mais igualdade.

Parece que o conceito de família evolui. Parece sim que herança não é só dinheiro, mas cultura e valores.

Nós, como animais, podemos estar sendo movidos pelo princípio da continuidade, pode ser que por fim, todo o processo sociológico seja apenas o continuar do processo genético.

Mas mesmo se for da natureza das coisas, a continuidade nos faz humanos.

Pensar no futuro de nossos filhos nos faz mais felizes.

Pensar que algo vai continuar nos consola de todas as insatisfações que podemos ter em nossas únicas vidas.

Pensar que mesmo mortos, transformados em adubos em baixo da terra de alguma forma vivos podemos continuar.

No fim, viver não é apenas sobre ser feliz, mas sobre perpetuar a felicidade em gerações.

Que entendamos que sim a herança nos move, e que sim existe a moeda da herança maldita.

Teus filhos não são teus, são filhos da ânsia da Vida. (Kalil Gibran)

A ânsia da vida seja sociologia ou natural está no princípio da continuidade.

A princípio existimos para e pelo princípio da continuidade.

O todo evolui.

E somos nós, humanos, que entendemos as coisas como separadas.

No vai e vem da vida e da morte.

Do que nasce, e do que está por vir.

Não apenas do sangue que corre em nossas veias, mas das nossas ações.

Dos nossos instantes que deixam nossas pegadas para as próximas gerações.

Foto: Depositphotos / Direitos Reservados

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